segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Abismos mágicos


É a floresta o templo em que celebramos o silêncio.

Seus olhos são a noite eterna e profunda

Onde caímos no sono sem fim.

Abismos dos sussurros mágicos!

Dois buracos sagrados

Guardando os segredos da noite.


Enlace a chama e queime a igreja,

a grande usurpadora da nossa terra sagrada.

Aponte para o norte.

A estrada surgirá de Orion.

Lemúria se erguerá do mar do esquecimento.


Com minha língua matarei o cardeal.

Fogo no altar!

Assistimos da floresta

A ascensão do nosso reino

De carne e sangue.


Dance com a serpente

E conheça o segredo.


Foi na sombra da árvore do bem e do mal

Que lhe beijei pela última vez.

Antes de você cair

Sobre a terra molhada.


A torre negra faz sua sombra

E divide três rios.

Um grito na floresta anuncia sua chegada.

Hei, hua, hai!...

Canta Baphomet entre as folhagens.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Baphomet

Eu sou a lei

E digo que não há lei.

Pois meu reino se sustenta no prazer

E no ódio aos tolos.

Nasci para reinar nos seus sonhos.

Sou eu que faço nascerem seus pesadelos

E seus desejos noturnos.

Eu reino na noite

E na solidão da sua cama.

Lhe espero na floresta.

Lá sustentarei meu cajado.

Venha se houver coragem.

Se seu desejo for mais forte

Do que seu medo.

Somente assim plantarei na sua carne

Meu concupiscente trono.

Na sua língua semearei minha vontade.

Pois assim é minha vida

Nas sombras da sua.

Mario C. Rasec

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Eterno retorno

Eu já havia percebido há algum tempo que eu estava morto. Uma das pistas era o próprio tempo, pois, as inúmeras lembranças que eu tenho mais parecem fazer parte de vidas passadas do que do passado recente. A segunda pista foi a ausência de realidade do mundo e das pessoas. Principalmente das pessoas, já que todas as minhas relações com elas não me parecem palpáveis. Falta em todos algo de concreto, de profundo, de acolhedor... Enfim, hoje pela manhã surgiu no meu lábio superior um pequeno corte que me incomodava quando eu abria a boca. Por um momento questionei se realmente eu estava morto, afinal, meu corpo sentia dor; desconforto; frio; algum prazer, embora pouco... Por outro lado, tenho inúmeras lembranças do meu lábio ferido que me faz pensar na minha primeira pista que comentei anteriormente: o tempo. Imaginei se esta ferida sempre esteve aqui e se ela, assim como todas as outras coisas e pessoas, faz parte desse sonho ruim ao qual quero desesperadamente acordar.

E como eu poderia acordar da minha própria morte? Eis a grande questão! Suicídio? Não, suicídio não dá certo. Já tentei vários e sempre retorno ao mesmo lugar.

Às vezes, eu imagino que todos a minha volta também estão mortos. Afinal, somente um morto poderia interagir com outro. Quando digo interagir, me refiro ao fato de esbarrar nas pessoas, delas me cumprimentarem, ou desviarem o olhar, ou deixarem recados vagos no orkut, ou perguntarem como eu estou por educação ou por pura falta de ter o que falar. Provavelmente eles também estão mortos, mas ainda não perceberam como eu percebi. Não sei se com o tempo todos se dão conta disto, ou somente eu tive a má sorte de perceber. E se o último caso for o certo, eu me considero o ser mais solitário do mundo, pois vivo num mundo onde todos estão mortos, mas somente eu sei disso.

Mas o que fazer então? E qual o propósito de tudo isso? É para o mesmo lugar em que passamos nossas vidas que vamos quando morremos? Isso é o inferno?

É estranho ver pela janela do ônibus que nada disso é a vida real. Até mesmo a dor que sinto ao passar a língua sobre o corte no meu lábio. Ao menos a dor me faz sentir mais real, embora todo o resto não seja, nem mesmo as pessoas que falam comigo. Muito menos elas.

Nada me surpreende. Afinal, o que há para se surpreender neste mundo de mortos? Terrorismo? Genocídio? Catástrofes? O que é tudo isso se tudo já está morto? Falam de fim do mundo. Mas ninguém percebe que o mundo acaba periodicamente, e a cada fim retorna a mesma merda de antes. Tudo está resumido a ciclos, ciclos menstruais, ciclos lunares, ciclos cósmicos. A cada fim de ciclo o mundo recomeça, se expande, se multiplica, apodrece e explode. Assim é esta minha existência dentro da não-existência. A eterna repetição de um sonho frustrado, rompido, dilacerado. Chegando em casa bêbado e desapontado para acordar no outro dia no mesmo pesadelo. Mas, como uma vez disse Arthur Rimbaud:

“Basta, chorei demais! As alvoradas são dilacerantes.

Cada lua me é atroz e cada sol amargo:

O amor acre me enche de estupefante torpor.”

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Antimatéria


Eu vi o invisível, e ele era monstruoso. Das suas narinas ele expelia o fogo fátuo da matéria em combustão. Sua boca era um buraco negro que se alimentava da luz desses postes franzinos. Em mim não existia mais o amor nem o ódio. Eu apenas acompanhava a antimatéria, a matéria negra, devorar átomo por átomo do mundo e do tempo e de mim mesmo. Não sinto nada, pois tudo o que eu sentia se esvaziou com o passar do vento proveniente de um horizonte de eventos no centro da galáxia.

Tenho vivido no silêncio, e nele posso ouvir essa boca colossal mastigando o universo. Apagando estrela por estrela.

Nesta noite não há lua. Talvez ela já tenha sido devorada por esse monstro voraz. Por muito tempo foi angustiante saber que eu nada poderia fazer, a não ser ver o meu mundo desvanecer. Foi angustiante ouvir essas vozes e ver essas pessoas que não sabem que seu mundo está condenado a ser abraçado por essa energia escura. Ela é a morte que nasceu com a vida. Mas hoje eu vejo sem lamentar a antimatéria anular tudo que acreditei. Não reconheço mais o mundo. Tudo foi mudado por ela.

Restam poucos dias. Dias que transcorrerão em profunda lassidão. Entrego minhas roupas ao mendigo, meu celular ao lixo, o resto do meu amor aos ratos, minha vontade de viver a sarjeta! Aceito o niilismo como única religião verdadeira. Retiro o padre do altar e dou-lhe um tiro na cabeça. Vomito o corpo de Cristo!

Agora estou em paz, pois todas as vozes se calaram, todos os vizinhos se mudaram, todos os amigos partiram, todos os amantes se mataram. Mas sei que, no último momento, haverá explosões, fogos de artifício, labaredas celestiais, carros abandonados, casas incendiadas, tempestade no inferno.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

No silêncio do quarto

Sentado num quarto vazio de um apartamento imaginando como seria passar o resto dos dias nele. A vista da janela é um pequeno mundo de concreto e gente e carros e barulho. Mas, em vez de me afastar do barulho, eu simplesmente insiro o barulho do mundo lá fora dentro de mim, no meu subconsciente.
Vou até a janela e percebo que ver um pedaço do mundo é ver o mundo todo, mesmo que seja emoldurado pela janela de um apartamento vazio.
Há poucas coisas nas caixas de mudança. Poucos livros, poucos discos, outras tantas pequenas coisas da pouca vida que tive. Não trago recordações, pois não tive o quê recordar. Não trago fotos, pois os retratos são as recordações da vida que eu não tive. Trago a mim mesmo e antes de mim nada existe. Mas trago uma tela branca, tinta e pinceis para um propósito maior do que a existência que perdi.
Rasgo o mundo com meus olhos, e além do mundo há um vazio tão imenso quanto esse quarto, e nesse abismo eu me deito sobre o passar dos séculos.
No entanto, descubro num canto do teto uma inusitada companhia. Uma aranha e sua fabulosa teia. Ela está dentro do pequeno e vazio quarto e o quarto está em mim, assim como estou no mundo que se arrasta lá fora. E nesta simbiose cósmica eu me embriago. Nela o nada está inserido no todo e o todo está mergulhado no caldo primordial do nada.
Não vi o mar se abrir. Mas na pia do banheiro gotas do Mar Vermelho caem. Não foi tão difícil chegar aqui. Apenas me deixei levar. As poucas coisas, que quase me apeguei pelo caminho, deixei escorrerem pelos dedos. Foi mais fácil assim. Não tenho vínculos, laços ou mesmo correntes que me prendam algo. Por isso perder não é uma palavra que me assusta. Pois, nunca gostei suficientemente de algo para lamentar sua perda. Não obstante, também nada odeio. Sou indiferente e estou em paz com isso. Assim como estou em paz com o meu propósito desta tarde.
De uma das caixas retiro a arma e a mira e as acoplo uma na outra. O aço é frio e negro. O burburinho aumenta lá fora. É o sinal de que está próximo o momento. Dou uma olhada discreta pela janela. E vejo o brilho do carro do presidente. Me apoio e ajusto a mira. Quando disparo vejo o olho de Deus. E ele é como um ralo sugando toda a minha vida. O barulho lá fora encontra o silêncio por alguns segundos apenas para mudar de tom. Agora, em vez de aplausos e marchinhas militares, há um lamento e um alarido de consternação.
Nas sombras do quarto, sob a vista da aranha, desmonto a arma e a guardo no fundo de uma caixa. Da outra caixa retiro tinta, pincel e a tela e começo a pincelar.
Amanhã o mundo mudará. Mas isso pouco importa para mim. Pois, eu sempre serei o que sempre fui: Este silêncio ruidoso que interfere no barulho do mundo por um instante e nunca mais se repete.

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Lembrança do Inferno




Sonhei com o Inferno e suas diversas camadas. Vi todo um clero com o Papa ao centro ditando palavras tortuosas. Mas também vi minha vida num eterno retorno dentro de um shopping center. Sentado em uma das inúmeras cadeiras da praça de alimentação, diante de uma TV que lançava mentiras de um mundo que não existe mais. Ao meu redor, uma raça de condenados que nem sequer sabe que estão mortos, comendo seus hamburgers, pizzas, tomando suas coca-colas, namorando seus mortos ou desfilando seus cadáveres sobre o mármore frio do shopping. Sim, eu sei que também morri. Eu apenas não sei porque permaneço aqui entre aqueles que nada sabem sobre si mesmos ou sobre este lugar. A ignorância é o muro e a grade do inferno.
O tempo não é linear. Nem vai para frente nem vai para trás. É apenas um momento preso na eternidade, uma expressão angustiante presa ao infinito. Não sei quando vim parar aqui. Lembro do elevador, logo ali no corredor. Lembro que eu sai dele e logo procurarei um lugar para sentar, como se toda a fadiga de uma vida estivesse sobre as minhas costas. Nem sequer lembro se o elevador subia ou descia. Posso ter passado apenas um dia aqui ou um milhão de anos.
Deixo minha cabeça repousar sobre a pequena mesa entre copos e talheres sujos e penso. Penso, penso e penso como vim parar aqui. Qual o maldito caminho que peguei para acabar aqui, nesta inexistência. Ou eu sempre estive no inferno, apenas caí de uma camada para outra? De qual outra inexistência eu vim? Será que houve realmente uma vida antes de todo esse horror?
O ar desse shopping é podre! Tem o fedor de mil cadáveres! A comida, se é que posso me referir assim à podridão sobre as mesas dessa infernal praça de alimentação, escorre eternamente pela mesa ao chão e faz uma poça pútrida aos pés dessas criaturas que vagamente lembram seres humanos.
Quem eu era me pergunto. Chego a duvidar se um dia eu fui feliz ou amado ou... Vejo esses malditos e me pergunto se entre eles haveria um amigo ou um irmão levado pela mesma má sorte que me trouxe aqui. Mas, nenhuma dessas débeis faces me traz algo familiar.
Eu não queria estar aqui. Não que eu sinta em meu corpo tormentos insuportáveis. Não, não sinto. Mas, porque eu não me encaixo nesta realidade. Se é que se pode chamar de real uma existência tão absurda. Faço parte de um mundo ao qual não pertenço, mas começo a duvidar que exista algum mundo para o qual eu pertença.
Não sei o que me prende a esta cadeira. Se é a fadiga ou total falta de esperança em encontrar, mesmo nas imediações desse shopping amaldiçoado, um lugar ao menos diferente dele. Não tenho muita fé de que, nas cercanias desse inferno, exista um lugar aonde se possa encontrar algum alívio.
Mas, o barulho irritante desse lugar me estimula a tentar deixá-lo desesperadamente. Porém, ao levantar, as pernas tremem e doem. Assim, me sento com a vaga promessa de tentar novamente mais tarde, afinal, tenho toda uma eternidade para isso. Toda a eternidade para encontrar uma brecha no inferno.

segunda-feira, 23 de abril de 2007

A Senhora Rubra




Sim, eu lembro. Aquela senhora usava vestido vermelho e dizia ser a mãe de todo o desencanto. Encontrei-a certo dia no meio de uma embriaguez agridoce. Vestia um véu violeta e cantava para um cadáver. Ela sabia dos caminhos que perdi. Ela sabia que eu não mais queria voltar. Ela me convidou para ver o mar, e o mar estava borbulhando.
Sempre acreditei mais nas suas mentiras do que no bom senso dos sábios. Conheço minha escolha, e eu escolho a distância de um deserto profundo onde o amor não alcança.

Sete chances eu tive para voltar, mas deixei que eles se divertissem sem mim. Não há mais em mim a benevolência de outrora, quando acariciava-lhes e afagava suas mãos. Eu os abandonei na própria sorte das madrugadas. Não faço mais parte deles. Eu me perdi.

Segui os olhos daquela antiga senhora, ela me envenenava. No entanto, eu conhecia todos os venenos que ela me oferecia dissimulados em suas carícias. Eu não me importei. Nem quando, na floresta escura, com tochas nas mãos, procuravam por mim, gritavam meu nome, e eu não os respondi. A rubra Senhora cobriu-me com seu manto de silêncio.