segunda-feira, 28 de maio de 2007

No silêncio do quarto

Sentado num quarto vazio de um apartamento imaginando como seria passar o resto dos dias nele. A vista da janela é um pequeno mundo de concreto e gente e carros e barulho. Mas, em vez de me afastar do barulho, eu simplesmente insiro o barulho do mundo lá fora dentro de mim, no meu subconsciente.
Vou até a janela e percebo que ver um pedaço do mundo é ver o mundo todo, mesmo que seja emoldurado pela janela de um apartamento vazio.
Há poucas coisas nas caixas de mudança. Poucos livros, poucos discos, outras tantas pequenas coisas da pouca vida que tive. Não trago recordações, pois não tive o quê recordar. Não trago fotos, pois os retratos são as recordações da vida que eu não tive. Trago a mim mesmo e antes de mim nada existe. Mas trago uma tela branca, tinta e pinceis para um propósito maior do que a existência que perdi.
Rasgo o mundo com meus olhos, e além do mundo há um vazio tão imenso quanto esse quarto, e nesse abismo eu me deito sobre o passar dos séculos.
No entanto, descubro num canto do teto uma inusitada companhia. Uma aranha e sua fabulosa teia. Ela está dentro do pequeno e vazio quarto e o quarto está em mim, assim como estou no mundo que se arrasta lá fora. E nesta simbiose cósmica eu me embriago. Nela o nada está inserido no todo e o todo está mergulhado no caldo primordial do nada.
Não vi o mar se abrir. Mas na pia do banheiro gotas do Mar Vermelho caem. Não foi tão difícil chegar aqui. Apenas me deixei levar. As poucas coisas, que quase me apeguei pelo caminho, deixei escorrerem pelos dedos. Foi mais fácil assim. Não tenho vínculos, laços ou mesmo correntes que me prendam algo. Por isso perder não é uma palavra que me assusta. Pois, nunca gostei suficientemente de algo para lamentar sua perda. Não obstante, também nada odeio. Sou indiferente e estou em paz com isso. Assim como estou em paz com o meu propósito desta tarde.
De uma das caixas retiro a arma e a mira e as acoplo uma na outra. O aço é frio e negro. O burburinho aumenta lá fora. É o sinal de que está próximo o momento. Dou uma olhada discreta pela janela. E vejo o brilho do carro do presidente. Me apoio e ajusto a mira. Quando disparo vejo o olho de Deus. E ele é como um ralo sugando toda a minha vida. O barulho lá fora encontra o silêncio por alguns segundos apenas para mudar de tom. Agora, em vez de aplausos e marchinhas militares, há um lamento e um alarido de consternação.
Nas sombras do quarto, sob a vista da aranha, desmonto a arma e a guardo no fundo de uma caixa. Da outra caixa retiro tinta, pincel e a tela e começo a pincelar.
Amanhã o mundo mudará. Mas isso pouco importa para mim. Pois, eu sempre serei o que sempre fui: Este silêncio ruidoso que interfere no barulho do mundo por um instante e nunca mais se repete.

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