sexta-feira, 20 de junho de 2008

Antimatéria


Eu vi o invisível, e ele era monstruoso. Das suas narinas ele expelia o fogo fátuo da matéria em combustão. Sua boca era um buraco negro que se alimentava da luz desses postes franzinos. Em mim não existia mais o amor nem o ódio. Eu apenas acompanhava a antimatéria, a matéria negra, devorar átomo por átomo do mundo e do tempo e de mim mesmo. Não sinto nada, pois tudo o que eu sentia se esvaziou com o passar do vento proveniente de um horizonte de eventos no centro da galáxia.

Tenho vivido no silêncio, e nele posso ouvir essa boca colossal mastigando o universo. Apagando estrela por estrela.

Nesta noite não há lua. Talvez ela já tenha sido devorada por esse monstro voraz. Por muito tempo foi angustiante saber que eu nada poderia fazer, a não ser ver o meu mundo desvanecer. Foi angustiante ouvir essas vozes e ver essas pessoas que não sabem que seu mundo está condenado a ser abraçado por essa energia escura. Ela é a morte que nasceu com a vida. Mas hoje eu vejo sem lamentar a antimatéria anular tudo que acreditei. Não reconheço mais o mundo. Tudo foi mudado por ela.

Restam poucos dias. Dias que transcorrerão em profunda lassidão. Entrego minhas roupas ao mendigo, meu celular ao lixo, o resto do meu amor aos ratos, minha vontade de viver a sarjeta! Aceito o niilismo como única religião verdadeira. Retiro o padre do altar e dou-lhe um tiro na cabeça. Vomito o corpo de Cristo!

Agora estou em paz, pois todas as vozes se calaram, todos os vizinhos se mudaram, todos os amigos partiram, todos os amantes se mataram. Mas sei que, no último momento, haverá explosões, fogos de artifício, labaredas celestiais, carros abandonados, casas incendiadas, tempestade no inferno.